Mesmo evitando a
“semântica da ruptura”, o antigo reitor é visto como alguém capaz de dar “outra
espessura às palavras”O antigo reitor e candidato presidencial tirou notas de
tudo. Elogios à parte, foi sobretudo às críticas que Sampaio da Nóvoa prestou atenção.
Alertaram-no para os perigos da “retórica humanista” no discurso político.
Pediram-lhe que imprimisse mais “raiva” às palavras. Que definisse claramente
as ideias. Depois de terem analisado o discurso do líder do Podemos, Pablo
Iglesias, um conjunto de académicos juntou-se ontem na Universidade Nova para
reflectir sobre o que diz Sampaio da Nóvoa. Não é por acaso, ele
faz um “uso pleno da palavra”. O que têm de diferente os
discursos de Nóvoa? São vazios e retóricos ou, pelo contrário, excessivos para
um candidato presidencial? Em análise estiveram os que proferiu no Teatro da
Trindade, Lisboa, e no Teatro Rivoli, Porto, na apresentação da candidatura. Os
mesmos que dividiram a opinião pública, em artigos e nas caixas de comentários
dos sites dos jornais. São discursos “ricos”, que motivam sentimentos de
“adesão ou repulsa”, diz José Neves, do Instituto de História Contemporânea da
Nova e da organização do seminário. O professor de História da Universidade do Porto Manuel Loff foi
o mais incisivo. Não se coibiu de dizer que, enquanto eleitor de esquerda, se
decepcionou com as referências de Sampaio da Nóvoa ao antigo Presidente da
República Ramalho Eanes e, mesmo sabendo que o candidato não é um homem
zangado, pediu-lhe mais “raiva”, que não evite a “semântica da ruptura”. “Todos os conselheiros de imagem lhe dirão [para falar] pela
positiva, mas desta vez não acredite neles”, afirmou Loff, para quem Nóvoa não
deve ficar “simplesmente pela imagem do senhor bondoso”, até porque – disse,
arrancando uma gargalhada da audiência – “não vale a pena ter fama de esquerda
radical e não a usar”. Apesar de admitir que, numa campanha presidencial, é um
exercício difícil, o docente defende que, para estar em sintonia com os
problemas actuais das pessoas, a “indignação” dever estar no discurso político. Para o crítico e jornalista António Guerreiro, Nóvoa faz um “uso
pleno da palavra”. Numa época em que na política tem havido “uma expropriação
violenta da palavra”, o antigo reitor surge como alguém que pode devolver essa
“possibilidade” ao discurso político, dando “uma outra espessura às palavras”.
Este tipo de discurso tem, porém – alertou Guerreiro – “perigos e
resistências”. É, por vezes, visto como “demasiado vago, lírico”,
correspondendo a “uma retórica mais ou menos vazia”.Há um confronto “nítido” entre duas concepções sobre o que deve
ser o discurso político: a esfera da acção e do fazer (dimensão pragmática da
linguagem) e, por outro lado, o efeito performativo das palavras (o que podem
provocar). E o discurso que valoriza a densidade da palavra tem, por vezes, “má
reputação”, lamentou Guerreiro, considerando que, no “ambiente que estamos a
viver”, o que existe é uma “política das coisas e não das ideias”.O professor de Filosofia de Coimbra Alexandre Franco de Sá
considerou que se nota “o professor a falar” quando Nóvoa valoriza o tema do
desemprego jovem. Também a psicóloga e docente da Escola Superior de Educação
do Instituto Politécnico do Porto, Gabriela Moita, entende que o ex-reitor está
presente nos discursos. Nóvoa, que acreditava já ter despido essa pele, anotou
essa e outra crítica: a de que, pese embora defenda que um Presidente da
República deve expor as suas ideias para Portugal com clareza, nem sempre elas
aparecem assim nos discursos. “Esta sessão vai dar-me muito trabalho”, admitiu,
no fim, o antigo reitor.
Público, 13.07.2015