terça-feira, 12 de janeiro de 2016

QUE PRESIDENTE DA REPÚBLICA?

JÚLIA CARÉ
Dentro de doze dias os portugueses são de novo chamados a exercer o nobre dever cívico de livremente escolher, desta feita, o mais alto magistrado da Nação para os próximos anos. Apesar das sondagens pretenderem convencer que tudo já está decidido a favor de quem tem uma imagem construída, durante anos, no altar televisivo e serve lógicas de poder instaladas na sociedade, a verdade é que só no dia 24 de janeiro se saberá quem chegará ao palácio de Belém, ou quem disputará uma segunda volta. Não há vencedores antecipados, por muito credíveis que sejam as sondagens; o exemplo Marine Le Pen nas últimas eleições francesas já o demonstrou. Votar continua a ser um dever, um ato de liberdade, responsabilidade e cidadania. Que presidente querem os portugueses? Dotado de valor simbólico, sem poder real de interferir na condução das linhas governativas, poder-se-á pensar ser esta uma eleição de importância menor. Do atual ocupante do cargo ficará na memória uma presença amorfa nas grandes questões que marcaram a vida política, o simples passear a sua augusta persona institucional por todo o ritual oficial e uma agenda discutível em momentos de tensão. Ao invés de termos um presidente solidário com as dores do país, tivemos, isso sim, um fiel defensor das políticas do governo e das diretivas europeias, numa visão surpreendente da soberania nacional. Tudo dentro de um “status quo” de petrificada circunspeção e formalidade, de exasperante conformidade com o discurso e políticas de empobrecimento e desigualdade, surdo para a indignação e contestação de diversos sectores da sociedade.  Do próximo presidente espera-se uma interpretação mais lata e criativa do teor e abrangência do formalismo constitucional. Sem poder executivo, tem, caso o queira, um papel central, exercendo uma magistratura de influência junto das forças vivas da sociedade, para além da promulgação ou veto de leis e orçamentos, ou de dissolução do parlamento. Pode constituir-se em consciência crítica, atuante, alertando para as situações de mal-estar social. Um presidente capaz de remar contra a maré, alguém habituado à escuta do mundo, com consciência cidadã e um apurado sentido de justiça, de solidariedade e de respeito pelo outro, na raiz das ideias. Os tempos de hoje e de amanhã exigem comprometimento com as grandes questões das pessoas de todos os lugares deste país feito de urbes litorais superlotadas e caóticas, interioridades e insularidades doentes de isolamento, em crescente e inquietante processo de abandono, desertificação e desumanização. Há toda uma realidade prospetiva de futuro, que se imporá à agenda de qualquer chefe de Estado: a necessária liberdade de pensar fora da caixa, na busca de outras saídas, contra o conformismo e o seguidismo em relação ao país, à Europa e a todas as organizações onde o país participa. Há que restituir a esperança, travar a sangria da emigração, em muitos casos forçada, dos nossos jovens – um dos pecados capitais do anterior governo. O presidente não pode assistir impassível ao crescimento brutal do desemprego, do empobrecimento, dos baixos salários, da precariedade a que estão condenadas esta e as futuras gerações. O presidente não pode encolher os ombros e refugiar-se na cidadela de Belém, quando a fragmentação da sociedade pulveriza a coesão social e a unidade nacional. Se há sacrifícios a fazer, que eles sejam equitativamente distribuídos, o que não aconteceu neste passado recente e é comprovado pelo crescimento escandaloso de grandes fortunas, por oposição ao agravamento da pobreza. É preciso voltar a colocar a cidadania - e não as questões financeiras - no centro do sistema político e restituir direitos inalienáveis de modernidade civilizacional às pessoas. Esta terá de ser a base de qualquer estratégia política de futuro. Não esquecer os 65% de seniores com pensões abaixo de 200 euros - a imagem da falha democrática do país - a maioria deles condenados ao abandono e isolamento; que a idade não é um problema de cronologia, mas de cidadania; que o aumento da esperança de vida é uma virtuosa consequência do desenvolvimento da humanidade à escala mundial e, sim, tem impacto na organização do Estado Social, no acesso aos direitos humanos, de que não podemos abdicar; que tudo no conjunto coloca novos problemas às famílias, à sociedade, à ação política, mas que urge compatibilizar com os valores da liberdade, igualdade e justiça. Ou não haverá democracia. Discuta-se a despesa pública com verdade. Recuse-se “as inevitabilidades de pacotilha, que servem interesses obscuros”. Há presidente para isto? Há. Alguém cujo posicionamento lúcido e crítico sobre o país, cujo percurso de rigor, de construtor de diálogo, congregador de diferenças, inspira confiança. Ao contrário dos que lhe apontam a ausência de militância partidária como factor negativo neste seu desígnio presidencial, apoio quem entende ser essa uma mais-valia, por o seu projeto ter sido construído em liberdade e autonomia, fora de quadraturas partidárias, tantas vezes condicionadoras de posturas e consciências. Ao ter avançado com a sua candidatura de acordo com a sua agenda, recusa espartilhar a democracia em formatações, conveniências, calculismos e golpadas, processos nada abonatórios da seriedade e elevação ética, de que a praxis política se deve revestir, para a imprescindível renovação da democracia. “Só vale a pena ser presidente da República, se for em nome de um conjunto de pessoas, de discussões, de temas, de questões de construção coletiva, em liberdade, sem medo…” De quem falamos? De Sampaio da Nóvoa, o candidato certo para Belém. 
Funchal, Janeiro 2016

Júlia Caré