1. Nos
termos da Constituição, o Senhor Presidente da República decidiu ontem
indigitar o líder da força política mais votada para formar Governo. É uma
decisão natural, porque respeita os formalismos necessários em democracia e
corresponde à tradição política e constitucional portuguesa. O Senhor
Presidente da República justifica a sua escolha, entre outros motivos, pela
ausência de um acordo formal entre os três partidos que já manifestaram
publicamente a intenção de apresentar uma alternativa de Governo.
2. Mas, se nada tenho a apontar a esta
decisão formal, não posso deixar de manifestar a minha surpresa quanto ao tom
de desafio e de confronto adoptado na comunicação de ontem ao País. Um
Presidente da República não pode ser factor de divisão, de instabilidade ou de
intolerância. Deve ser um árbitro, equidistante e moderador. Deve construir
compromissos em vez de extremar posições.
3. A escolha dos portugueses, tomada
livremente nas eleições legislativas, deve ser respeitada. Todos os partidos,
todos os votos, contam para as contas da democracia. É preocupante que o Senhor
Presidente da República tenha manifestado a intenção de excluir da nossa vida
democrática, e de qualquer solução de governo, partidos que representam mais de
um milhão de cidadãos. Vale a pena recordar, de resto, que estas forças
políticas têm revelado a vontade de construir “uma solução governativa que
assegure a estabilidade política” (respondendo desta forma ao repto formulado
pelo Senhor Presidente da República na comunicação ao país do dia 6 de
Outubro).
4. Igualmente preocupante é o receio
publicamente manifestado pelo Senhor Presidente da República quanto a uma
eventual reação dos mercados. Ao dramatizar a escolha política dos partidos e
deputados, numa intervenção que sabia de antemão que iria ter eco
internacional, o Senhor Presidente da República pode provocado uma
instabilidade até agora inexistente. O papel do mais alto magistrado da Nação
tem de ser, sempre, a defesa do interesse nacional, não agitando nunca receios
que possam afectar a confiança e a credibilidade do País no estrangeiro.
5. Nas atuais circunstâncias, em que a
Assembleia da República não pode ser dissolvida, será impensável que um
Presidente não aceite dar posse a um Governo com maioria parlamentar. Faço
minhas as palavras do Senhor Presidente da República, quando salientou que 26
dos 28 governos da União Europeia dispõem de apoio parlamentar maioritário e
que não há nenhum motivo para que Portugal seja uma excepção.
6. Infelizmente, o discurso ontem
proferido deixou no ar uma ameaça: decida o Parlamento o que decidir, o
Presidente admite manter em funções um Governo de gestão e sem orçamento. Essa
solução configura uma situação grave do ponto de vista democrático, coloca em
causa a Constituição e não assegura o “regular funcionamento das instituições
democráticas”. O Presidente da República é o garante da Constituição, presta
juramento nesse sentido e não pode abdicar da sua posição de árbitro imparcial
do sistema político.
7. A posição do Professor Cavaco Silva
reforça, com grande nitidez, a importância de uma candidatura independente, que
procura estabelecer pontes e diálogos com todas as forças políticas, com toda a
sociedade, sem espírito de clube, com espírito de cidadania. Estes são os
valores que me trouxeram à política, são os valores da minha candidatura, uma
candidatura que é feita de isenção e de independência.
8. Apelo à serenidade, à
responsabilidade, ao bom senso, a uma cultura de diálogo e de compromisso, sem
exclusões, em nome do interesse nacional. Nos próximos dias, compete aos
Senhores Deputados um papel muito importante na construção dos caminhos que
permitam ultrapassar a actual crise política. Confio no Parlamento, nos
deputados e nos partidos, porque este é o seu tempo, o tempo da democracia, o
tempo para encontrar as melhores soluções de governo para o nosso país.
António Sampaio da Nóvoa, 23 Outubro
2015